terça-feira, 15 de maio de 2012

Uma breve Relação entre Filosofia e Psicologia



Existe uma forte relação entre a Filosofia e a Psicologia, podendo-se afirmar que são as ciências humanas mais próximas[1]. Os primeiros estudos sobre o psiquismo e a alma foram realizados pela Filosofia Grega, a qual observava atentamente as atividades humanas e a manifestação da alma[2]. Sendo assim, pretende-se aqui fazer uma breve análise da relação de proximidade entre a Filosofia e Psicologia, salientando: a grande afinidade que existe entre o pensamento filosófico e a Psicologia; o aprofundamento da antropologia filosófica, principalmente do psiquismo, dimensão constitutiva do ser humano; e, por fim, o autoconhecimento, que propiciará um encontro da verdade e bem que habita no interior humano.
A própria etimologia da palavra Psicologia pode ressaltar o desejo que tanto a Filosofia quanto a Psicologia tem, a saber: conhecer “O que é homem” [3]. O termo ψυχή (psyché) significa pessoa, alma humana, sentimento, caráter[4] e λόγος (lógos) significa matéria de estudo e conversação, relato, notícia[5]. Sendo assim, a Psicologia busca estudar a pessoa humana, principalmente sua dimensão interior.  Do mesmo modo que o pensamento filosófico: “No campo filosófico, a interrogação sobre o homem torna-se o tema dominante na época da sofística antiga (séc. V a. C.) e, a partir de então, acompanha todo o desenvolvimento histórico da Filosofia Ocidental...”[6]
Sendo assim, expressa-se uma primeira relação entre o estudo da psicologia e o pensamento filosófico, pois aquela está em estreita relação com este, possibilitando-se assim um diálogo e um aprofundamento de temas caros à Filosofia que a psicologia poderia iluminar e/ou até mesmo responder e dar soluções.
Já nesta segunda relação faz mister lembrar do  pensador Immanuel Kant, filósofo moderno do século XVIII, que elaborou uma crítica à Filosofia e consagrou seu pensamento como a “filosofia da filosofia”[7] . Kant ressalta na obra Crítica da Razão Pura que todo interesse de seu pensamento está nas questões:
Que posso saber?
Que devo fazer?
Que posso esperar?[8]

Estas perguntas são, na obra Lógica, unificadas em uma só (que está ausente na Crítica da Razão Pura): “o que é o homem?”. Kant salienta que a Filosofia é, impreterivelmente, uma forma de antropologia[9]. Ao que se percebe, a partir do pensamento Kantiano, a questão sobre o ser humano se torna central em toda reflexão filosófica[10], ou seja, o ápice de todo discurso filosófico se dará na antropologia.

Assim sendo, os estudos da Filosofia moderna e pós-moderna se voltam com insistência para elaborar o melhor discurso possível sobre o ser humano[11], buscando levar em consideração suas categorias de estrutura, relação e unidade. Na categoria de estrutura ou níveis ontológicos constitutivos, o ser humano é composto de corpo próprio, psiquismo e espírito (dimensão espiritual, chamada por alguns autores também de mente)[12]. Na categoria de estrutura percebe-se a importância e influência da dimensão psíquica, porque é graças a ela que poderá acontecer a ligação entre as outras duas dimensões: “Desde o início, pois, de nossa reflexão sobre o psiquismo ele aparece como situado numa posição mediadora entre o corporal e o espiritual.” [13] Além disso, o psiquismo é responsável por interiorizar as experiências vividas pela dimensão corporal e exteriorizar o mundo interior do sujeito humano:

“A passagem do estar-no-mundo para o ser-no-mundo, ou da presença natural para a presença intencional, dá-se aqui no sentido de uma interiorização do mundo ou da constituição de um mundo interior. Pelo ‘corpo próprio’ o homem se exterioriza ou constitui sua expressão ou figura interior, e o Eu corporal é como que absorvido nessa exteriorização. Pelo psiquismo o homem plasma sua exteriorização ou figura interior, de modo que se possa falar com propriedade do Eu psíquico ou psicológico.”[14]
Portanto, o estudo da dimensão psíquica é fundamental para uma lapidação dos estudos antropológicos filosóficos, pois o psiquismo faz acontecer o encontro da unidade entre os pólos da dimensão humana e ainda aprofundar as expressões interiores do homem. No estudo do psiquismo humano poder-se-á entrar mais profundamente no estudo da dimensão que consegue trazer unidade na constituição ontológica humana e ainda é responsável por fazer com que o ser humano saia de um solipsismo espiritual para uma abertura ao mundo real e empírico.
Por fim, apresenta-se esta terceira relação, fazendo-se mensão ao o pensamento de Agostinho de Hipona, o qual acredita que o ser humano tem pela Razão (inteligência-razão) uma abertura para a Verdade e pela Vontade uma abertura para o Bem, conforme afirma Sciacca sobre o Agostinho: “Todas as operações do espírito provenientes do espírito mesmo por meio da inteligência-razão, que alcança a Verdade, e da vontade, que adere ao Bem.”[15] Sendo assim, a dimensão interior do ser humano busca a verdade e o bem, pois todos os homens estão abertos a esse encontro.
O ser humano, deste modo, vai a uma busca constante por essa verdade e esse bem que possa dar sentido a sua existência e manter-lhe em constante descoberta e desvendamento do mundo interior e exterior. Quanto maior seu afastamento de si mesmo menor será sua possibilidade de encontrar essa Verdade e Bem que tanto busca. O ser humano deve, então, partir em busca dessa verdade no mais íntimo de si mesmo, pois poderá encontrar nessa relação consigo mesmo o seu sentido: “Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo, a verdade habita no coração do homem”[16].
Ora, sendo a psicologia o estudo do ser humano, com atenção para a interioridade humana, vez-se como terceira relação o autoconhecimento pessoal, visto que é necessário, conforme afirmado acima, o homem se conhecer para encontrar a verdade e o bem, consequentemente o sentido da existência humana. A psicologia poderá propiciar um maior contato com a dimensão interior humana e, assim, a uma aproximação do “eu” que habita no “coração humano”.
Deste modo, pode-se concluir que a Filosofia e a Psicologia tem uma estreita relação e necessitam estar constantemente sendo estudadas para um melhor aproveitamento da Antropologia. Além disso, ambos os estudos podem propiciar ao homem um maior autoconhecimento de si e melhorar as relações intersubjetivas. Ressalta-se que este estudo não pretendeu apontar todos os pontos de relação entre a Filosofia e Psicologia, mas foram apontados aspectos que se acredita serem alguns dos principais.

Referências Bibliográficas:

·         AGOSTINHO, Santo. A verdadeira Religião. Trad. Nair de Assis Oliveira. 2.ed. São Paulo: Paulus, 1987. [abreviatura: AGOSTINHO, 1987, ...]

·         DEKENS, Olivier. Compreender Kant.Trad. Paula Silva. São Paulo: Loyola, 2008. [abreviatura: DEKENS, 2008, p. ]

·         DORIN, Lannoy. Enciclopédia de Psicologia Contemporânea: Psicologia geral. São Paulo: Livraria Editora Iracema Ltda, 1980. v. 1. [abreviatura: DORIN, 1980, p. ]

·         MELENDO, Tomás. Iniciação à Filosofia: Razão, fé e verdade. Trad. Marciano Lang Fraga. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúcio” (Ramon LLuLL), 2005. [abreviatura: MELENDO, 2005, p.]

·     KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valerio Rohder e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cutural Ltda, 1999. [abreviatura: KANT, 1999, p.]

·        PEREIRA, Isídio, S.J.. Dicionário grego-português e portguês-grego. 5. ed. Porto: Livaria Apostolado da Imprensa, 1976. [abreviatura: PEREIRA, 1976, p. ]

·        SCIACCA, M. F. San Agustín. Trad.  P. Ulpiano Álvarez Díes, O. S. A. Barcelona: Luis Miracle, editor, 1995. [abreviatura: SCIACCA, 1995, p. ]

·        VAZ, H. Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2010. [abreviatura: VAZ, 2010, p. ]


[1]Cf.  VAZ, 2010, p. 171
[2] Pode-se citar alguns exemplos: Sócrates pensava, baseado no oráculo de Delfos, que para se conhecer o comportamento das outras pessoas era necessário conhecer-se a si próprio: “conhece-te a ti mesmo”; já Platão preocupa-se mais com o problema das origens das ideias; Aristóteles é o primeiro a se aventurar nas investigações mais seguras sobre a consciência e a conduta do homem (Cf. DORIN, 1980, p. 6 e 7)
[3] Cf. VAZ, 2010, p. 3
[4] Cf. PEREIRA, 1976, p. 638.
[5] Cf. PEREIRA, 1976, p. 350.
[6] VAZ, 2010, p. 3
[7] DEKENS, 2008, p. 10
[8] KANT, 1999, p. 478
[9] Cf. DEKENS, 2008, p. 18. Antropologia significa em sua etimologia o estudo do ser humano (ἂνθρωπος [ánthropos] significa em grego homem, mulher Cf. PEREIRA, 1976, p. 51). Existe uma diferença entre a antropologia e a psicologia, visto que a Antropologia tem como objetivo construir um discurso sobre o homem-objeto (epsitemologicamente), formalmente considerado como sujeito (ontologicamente) Cf. VAZ, 2010, p. 3, já a psicologia é uma ciência que busca compreender o ser humano a partir de seus comportamentos e condutas em seu meio Cf. VAZ, 2010, 172.
[10] Na nota 6 da primeira justificativa afirma-se com Lima Vaz, que o questionamento sobre o homem é um tema que na antiguidade se tornou constante, porém não essencial. Na antiguidade, a questão central está em torno do discurso sobre o absoluto, ou seja, metafísico. A partir da modernidade o discurso se centra nas questões antropológicas, conforme ressaltado.
[11] Cf. MELENDO, 2005, p. 65.
[12] Cf. VAZ, 2010, p. 154. Não se vê necessidade de citar no texto as divisões das categorias de relação (objetividade, inter-subjetividade e transcendência) e de unidade (realização e essência ou pessoa), visto que não  seestá fazendo um estudo aprofundado do tema e do autor, mas sim levando em consideração a importância de suas observações acerca do pensamento sobre o homem.
[13] Ibidem, p. 168.
[14] VAZ, 2010, p. 169.
[15] SCIACCA,1955, p.427. “Todas las operaciones del espíritu provienen del espíritu mismo por medio de la inteligencia-razón, que alcanza la verdad, y de la voluntad, que se adhiere al bein.”

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